TRECHO DO LIVRO “TIGRE DE DEUS”

A gripe da noite parece sinalizar que ainda não estou inteiro em mim, que a paz ainda não está completa, que ainda há terreno a ser descoberto, conquistado, que ainda não vesti a roupa exata, ou que ,de certa maneira, ainda não posso fincar a bandeira da vitória. Não, faltam algumas coisas para a liberdade; o amor, porém, é graça. Eu só sei que sangro no caminho, mas também sei que o sangue de Deus sangra comigo.

Zona da Mata, Mineira. 23:55
28.01.20011.

2

Um dia, em fins do ano 2006, depois de mais uma vez que ela terminara comigo, e dessa vez não haveria mais volta, bebi o suficiente para perder a consciência da noite. Engraçado que ao relembrar isso, tenho a sensação de que algo em mim morreu ali, claramente. Compreendi que estava latente a minha destruição. Contudo, consegui chegar em casa e dormir. Acordar, porém , foi difícil. Assim que levantei-me comecei passar muito mal. A cabeça doía muito e sem saber o que fazer, liguei.

— Alo.

— Sara… quando tentei falar, comecei vomitar.

— Alo, alo, o que ta acontecendo?

— braaaaaaaaaaaaaaaaaarghhhhhhhhhhh

— Você ta vomitando é?

— É… vomitei tudo aqui, me ajuda.

— Eu vou ai, espera.

Deitei novamente no quarto escuro, sujo, sombrio, com a alma num umbral de horrores, depois de limpar porcamente o vomito. Uma hora depois ela chegou e me lembro perfeitamente da calça comprida rosa. Deu-me uma nelzaldina e me deu, eu deitado na cama e ela sentada na minha cadeira do computador, com o livro do Iogananda, “Autobiografia de um Iogue” na mão esquerda, porque a direita dela eu segurava e me amparava. Ainda tentava brincar para disfarçar minha derrota.

— Me dá um beijinho ai.

— Até que pensei nisso, mas você ta fedido.

— Me dá essa bundinha pra mim.

— Fica quieto, moço, você ta quebrado.

Essa era a cena na penumbra do quarto; ela sentada e eu segurando-lhe a mão direita ora com uma das minhas mãos, ora com as duas, enquanto ela lia, as vezes esboçando um sorriso com a leitura.

— Só um pouco de bundinha.

— Sossega.

De vez em quando ela comentava uma passagem comigo.

— Conheço o livro, meu bem.

E ficamos assim de mãos dadas, até que ela disse que tinha que ir. Eu agradeci ela ter vindo e com o resto de forças levei-a na porta; depois, pela janela ia vendo ela se perder na distancia, que quanto mais ela se distanciava, mais crescia meu desalento e percebi que não conseguia alcançá-la mais. Depois ela cortou completamente a comunicação comigo e tive que tentar sobreviver ao abalo. Até encontrá-la, eu pensava saber o que era o tempo, o espaço, a mente, os sentimentos, a filosofia, o sexo, a dignidade, o destino. Era um gato que pensava ser um tigre. Foi com ela, porém, que nasceu o Tigre. Batizado pela experiência, pela fatalidade, pela beleza, pelo inusitado. O amor, que contém todas as coisas e fazia com que um homem chamasse uma mulher quinze anos mais nova –, que corava de modo encantador, — de mamãe.

Zona da Mata – Minas Gerais., fevereiro 2011.

Publicado por Marcelino Rodriguez

Escritor hispano-brasileiro, autor de 16 livros, incluindo o mais recente "A Menina que lia Romances Água com Açúcar"; ganhador de vários prêmios literários. Iniciou sua busca espiritual e suas pesquisas espiritualistas em 1988, quando ingressou em alguns caminhos dessas ordens espiritualistas e lendo o movimento New Age.

4 comentários em “TRECHO DO LIVRO “TIGRE DE DEUS”

  1. Adorei o jeito como escreve. Faz com que o leitor fique preso ao texto.

    Parabéns pelo Blog
    Não pude ler muito, mas adorei o que li… fez com que eu ficasse querendo mais.

    🙂
    Fiquei sabendo do seu blog, porque você me add no orkut, pena que não pude te aceitar, você ja tinha muitos amigos 😦
    mas me contate pelo email.

    Abraço.
    E mais uma vez, parabéns pelo blog

    Curtir

  2. Adorei seu Blog.
    O jeito como escreve é fabuloso..

    Parabéns!
    Fiquei sabendo do seu blog pelo orkut, você me add, mas não pude te aceitar, porque você ja tinha muitos amigos.
    mas me contate pelo email. Abraço

    Curtir

Deixe um comentário